Nesse último módulo
é discutida a questão da abordagem atual da educação filosófica,
tendo como inspiração o debate sobre filosofia política na Grécia
Antiga. Nessa via, destaca-se inicialmente que a filosofia não deve
ser compreendida como um conjunto de conceitos absolutamente
verdadeiros e definitivos. O filosofar apresenta uma relação
intrínseca com a interpretação da realidade e, portanto, é
condicionado pelo ambiente sociocultural e pelas questões de cada
tempo histórico.
Dito isso, a presente
reflexão busca analisar algumas considerações encontradas nas
Orientações Curriculares para o Ensino Médio, no que se
refere ao ensino da filosofia nas escolas brasileiras. Em 1971, sob a
diretriz educacional do regime militar, a filosofia deixou de ser
obrigatória no currículo escolar, o que só se reverteu em 2006, em
resolução homologada pelo ministro da Educação. Embora tal fato
possa (e deva) ser encarado como uma vitória daqueles que prezam
pela qualidade da educação nacional, ainda resta a pergunta e o
consequente debate: como deve ser o ensino da filosofia?
O Pensador, de Rodin. Museu Rodin, Paris. |
Ao tentar fornecer
algum direcionamento nesse sentido, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional estabelece que ao concretizar o ensino médio o
estudante deve “dominar os conteúdos de Filosofia e Sociologia
necessários ao exercício da cidadania”. Pode-se questionar a
abrangência e a multiplicidade de interpretações propiciadas pelo
termo “cidadania”. No entanto, compreende-se que a escolha de tal
termo privilegie justamente a diversidade de perspectivas teóricas
que os professores podem apresentar, de modo que dentro desse cenário
múltiplo o texto visa adotar uma perspectiva neutra e imparcial.
Os Art. 2º e 3º da
Resolução CEB, que se reporta a LDB, apresentam uma tentativa de
integração do que se espera do ensino da filosofia no país,
independente da escola e postura filosófica do professor que a
ministra. Nesse texto são destacados, respectivamente, alguns
valores fundamentais ao interesse social (como os laços da
solidariedade humana e de tolerância recíproca) e também alguns
princípios que compõem a tradição filosófica (a saber, a
estética da sensibilidade, a política da igualdade e a ética da
identidade).
Não obstante, essa
postura conciliadora apresenta uma explícita intenção de fornecer
“ferramentas conceituais diante de um conjunto heterogêneo de
teorias”, conforme é relatado na segunda seção das OCMEs ao
tratar dos “Objetivos da Filosofia no Ensino Médio”. A
problematização que decorre dessa postura refere-se ao fato de que
essa diretriz parte do pressuposto de que a pura exposição aos
conceitos filosóficos é capaz de fazer com que o estudante
correlacione e aplique os conceitos teoricamente discutidos em sua
própria vida prática. Cria-se uma crença de que a leitura dos
textos filosóficos, por si só, já são suficientes para a formação
filosófica dos estudantes. O estudo da história da filosofia, ou a
exaltação de argumentos filosóficos consagrados, embora
importantes, não podem ser distinguidos da vivência e da realidade
dos estudantes. A opinião e a construção conceitual dos próprios
estudantes devem ser centrais em um processo que busque não o ensino
de argumentos de forma dogmática, mas o filosofar em si.
A esse ponto é
possível que o leitor esteja se perguntando: mas o que isso tudo tem
a ver com a filosofia política grega? É justamente essa a questão
que será adentrada daqui por diante. A corrente de pensamento
derivada de Sócrates e Platão valoriza uma espécie de
filósofo-especialista, tanto que para Platão eram os filósofos que
deveriam ser os governantes das cidades. Em contraste com essa
posição, a visão sofística da política, derivada principalmente
de Protágoras valoriza a opinião de cada cidadão. É válido
destacar que no diálogo com Protágoras, Sócrates o indaga: “se
todos os cidadãos são competentes em matéria de excelência
política, como admitir seu ensino?”. Protágoras responde essa
aporia afirmando que as pessoas aprendem uma língua não ao estudar
a gramática. A linguagem é construída conjuntamente, em um cenário
em que todos são mestres de todos. Da mesma forma se dá a vida
política, todos aqueles que vivem em sociedade a constroem, em um
processo de mútuo e contínuo ensino-aprendizagem.
Assim, fazendo uma
transmissão dessa discussão para o contexto do ensino de filosofia,
pode-se dizer que o que se tem como diretriz no ensino nacional
privilegia o endeusamento de argumentos filosóficos estabelecidos
historicamente. Contudo, essa perspectiva desloca os envolvidos no
processo educacional, colocando-os como expectadores passivos. A
postura sofística, por outro lado, valoriza o desenvolvimento da
argumentação e, mais além, a participação efetiva no processo
como formas de construção e aprendizagem.
De
acordo com a OCEMs, os textos clássicos não seriam o objetivo final
do estudante de filosofia, mas apenas o ponto de partida. Contudo,
pode-se questionar essa lógica. Por que não partir das questões
enfrentadas no real que circunda o estudante para que depois os mais
interessados busquem os textos clássicos? Propõe-se, por fim, o
desenvolvimento de uma “competência filosófica” que supere uma
“cultura filosófica” historiográfica.
Referência:
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Diário Oficial da União, Brasília, DF: 23 dez. 1996.
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