Sofistas X Filósofos

Sofistas X Filósofos
 Intelectuais X Cientistas


A cultura humana é dinâmica, de modo que quando fica estagnada por um período demasiadamente longo é válido se questionar se a sociedade não passa por um período de doença social ou conformismo exacerbado. É possível conceber então que a cultura é formada por diálogos, por oposições e rupturas. Uma dessas oposições marcantes no mundo antigo refere-se ao posicionamento político de sofistas e filósofos.
A Atenas de Péricles tinha como marca a democracia, da qual o governante se orgulhava, como mostram trechos de seu discurso, destacado a seguir: “a nossa constituição não inveja as leis dos nossos vizinhos. Não imitamos os outros, pelo contrário, servimos de modelo a alguns”. Este governo, próprio de Atenas, “recebeu o nome de democracia, porque a sua direção não está na mão de um pequeno grupo, mas sim da maioria” (...) “Não existe distinção entre governantes e governados. Cada um será, por seu turno, governante e governado”.
Na imagem vemos Péricles e seu irmão Arifrón
Taça de vinho de cerâmica  usada por Péricles, com ele e o irmão
Arifrón - Museu Epigráfico de Atenas, Grécia.

Esse traço marcante da cultura grega traz consigo uma série de implicações. Dentre as principais tinha-se que todo homem livre possuía igualdade de direito perante a lei (isonomia) e igualdade de direito à palavra na assembleia (isegoria). Daí provém a principal divergência entre sofistas, como Protágoras, e filósofos, como Platão. Para Protágoras, a opinião de qualquer indivíduo é legítima, e quem desejar pode participar da discussão pública na ágora. Nesse ponto, vale lembrar que para os sofistas qualquer tese poderia ser provada ou refutada, dependendo unicamente da capacidade argumentativa. Assim, não existia verdade absoluta, e os sofistas ensinavam seus discípulos a arte da retórica, para que assim se sobressaíssem na arena política. As próprias leis eram criadas em função da capacidade argumentativa e da adesão dos cidadãos aos argumentos lançados, de modo que qualquer sistema jurídico e a justiça em si (na visão sofística) são apenas reflexos do sistema histórico-cultural de um povo.
Platão divergia dessas concepções. Para Platão, assim como para Sócrates, os conceitos traziam em si uma essência. A postura adotada pelos sofistas, na visão dos filósofos, representava uma falta de compromisso com a verdade, uma vez que a verdade era relativizada, podendo ser e não ser qualquer coisa. Neste sentido, os filósofos compreendiam a justiça, a coragem, o amor, como conceitos concretos e imutáveis, com forma e essência. Essa visão de mundo influencia o pensamento político de Platão. Para ele, o governante tem que passar por uma série de treinamentos (técnicos), como ser iniciado na matemática e em suas derivações. Platão objetiva que, com a contemplação do que há de imutável, como a matemática, a música e a astronomia, o governante passe a ser capaz de acessar outros conceitos abstratos imutáveis, mas estes também de ordem moral, como a justiça. Ou seja, mesmo a justiça se manifestando de diferentes formas, o indivíduo, conhecedor do imutável, é capaz de alcançar a própria essência da justiça para tomar suas decisões. Não é de se surpreender que Platão sugere que os filósofos sejam os governantes da pólis.
Têm-se então a oposição do pensamento político sofístico e filosófico na Antiguidade. Enquanto os sofistas valorizavam a opinião de quem quer que fosse, enfatizando a liberdade e a democracia, os filósofos alertavam que a busca exclusiva da liberdade em detrimento e esquecimento de todo o resto poderia levar a anarquia e, portanto, ao não seguimento das leis. Ao fazer uma analogia com a modernidade, é possível afirmar que os sofistas defendiam a intelectualidade e a formação de opinião, enquanto os filósofos defendiam a técnica e o cientificismo.

Referências:

CASSIN, Bárbara. O Efeito Sofístico. São Paulo: Editora 34, 2005.

PLATÃO. A República. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1990.

Um comentário: